Ressignificando

O que todos os anos de estudo dizem sobre mim?

Reparo nos papéis agora jogados no chão. Minha letra não é a única coisa que mudou. O conteúdo das pilhas de papel também é muito diferente daquilo que tenho estudado nos últimos anos. Tudo bem. Estudar faz parte da minha essência e isso talvez seja a única coisa que não tenha mudado com a vida de artesã/empreendedora. (Quer saber como foi essa mudança? Te conto bem aqui!).

Graduação, especialização, mestrado, tinha todos os materiais separados como uma boa virginiana. Coisa linda de ver! “Talvez  você devesse ter tirado uma última foto de tudo aquilo”, diz o meu apego ainda pulsando aqui dentro.

“Eram bem mais do que papéis”. O que não cabe mais aí no seu presente e você não consegue se desfazer?

Sabe aquele cantinho da sua casa (interna, inclusive) que você não quer mexer porque sabe que vai te custar mais do que tempo para arrumar? Pois bem, eu sabia que não era uma simples questão de organização, de desapego, mas de ressignificação. Como tudo que envolve uma fase que nos orgulha, foi difícil pra eu me desprender dos materiais desses anos de estudo.

No fundo, eram bem mais do que papéis. Tinha ali a razão para eu ter saído de casa com 17 anos. Tinha também o orgulho de quem havia chegado mais longe em formação de toda a minha família. Tinha ali o caminho socialmente aceitável, a sensação de pertencimento. E tudo isso borbulhava na minha mente enquanto eu folheava aqueles papéis tentando relembrar conceitos já tão distantes do meu universo.

Graduada e emocionados! Pai e mãe sempre ao lado, mesmo longe. Depois dessa foto ainda viriam muitos estudos e muitos, muitos papéis!

Estudar, fazer testes no laboratório, analisar resultados, mudar a estratégia, fazer descobertas, um dia esse foi meu universo! Mas com convicção, não quis seguir para o doutorado, nem me tornar alguém como grande parte das referências que tive. (Por favor, não generalizem a minha escolha, também encontrei professores incríveis).

Folheando os materiais senti que, no fundo, tinha uma razão bem escondida para não querer jogar tudo fora: talvez quisesse manter os papéis como provas para justificar que “Estudei um bocado de anos antes de ser artesã!”. Ou talvez por medo de precisar deles um dia, ouvindo pessoas que ainda me dizem “Vai que um dia você queira voltar para a sua área!”. Ou pior, por não parecer suficiente simplesmente dizer duas palavras “Sou artesã!” (e ponto).

Ser artesão não é menor do que ser cientista. Salário e bens materiais ainda não uma métrica social de sucesso, mas isso em nada tem relação com a capacidade de inspirar e promover uma mudança na vida de alguém. Vai bem além de títulos, da condição financeira ou de qualquer intelectualidade. A emoção e o brilho nos olhos gera grandes revoluções! Passamos a ser inspiração para as pessoas, seja lá o que façamos.

Fazer mestrado, vestir o jaleco branco e falar uma língua que poucos entendiam poderia parecer nobre, mas não me conectava com muitas pessoas. Hoje, fazendo acessórios, sinto que me conecto e inspiro com muito mais força! E é nessa proximidade que a mudança acontece – convenhamos que isso a arte sabe fazer muito bem! 

Pensativa, aos poucos fui abrindo mão daquela pilha de materiais, sem tanta curiosidade em olhar o que havia escrito. No fim, fiz uma caixa pequena com alguns cadernos de pesquisa e guardei-os novamente com carinho. Quem sabe no próximo ano, eu consiga olhar pra eles com ainda mais certeza de que nada disso precisa tomar espaço físico. 

Entre papéis, rabiscos, vivências, fico com o que me tornei até aqui. Afinal, todos os anos de estudo apenas fizeram parte das minhas escolhas e me trouxeram até aqui.

Mas eles não resumem o que sou hoje.

Eu sou artesã e um pouco de tudo isso! 🙂